No fundo, acha isso mesmo?/O que você vê?

novembro 30, 2007

Vindouro

Vai ser melhor quando cada ser humano não pensar só em si mesmo; quando existir boas intenções sem o desejo oculto de se querer algo em troca ou de se lucrar com algo. Quando o sorriso dado fora de casa for verdadeiro; quando os trabalhos voluntários tornarem-se mesmo voluntários; quando a vontade for maior do que a preguiça; quando a fofoca virar segundo plano; quando o amor fizer jus à palavra amor; quando o aluno for interessado; quando a mãe que coloca a criança para trabalhar no farol passar a zelá-la mais; quando todos sentarem na mesa para fazer as refeições; quando a ajuda vier sem precisar pedí-la; quando a confiança entre as pessoas realmente existir; quando a verdade se sobressair sobre a mentira; quando se pensa na bondade e se age com bondade; quando a inveja perder o seu significado; quando estourarmos as muitas bolas de sabão que deixam os sonhos ficarem vagando dentro delas; quando o abraço for bem apertado e caloroso; quando o olho no olho for mais importante do que a roupa que se veste; quando o pai lembrar do filho; quando o automóvel for só um meio de transporte e não uma condição social; quando o amor-próprio for maior do que a humilhação, sem a presença do narcisismo; quando o pássaro for solto; e quando houver ao menos a esperança de acreditar que tudo isso um dia seja real.

CX.
Set/07

novembro 26, 2007

...Lá vem ela






Já tinha essa idéia fixa na cabeça…
O ar de quem anda como quem pisa nas nuvens constantemente.
Não era um tango, um jazz, um blues ou algo assim,
Talvez milonga; longo esse caminho de sonhos.
Descia as vielas de Paris e se sentia entre os personagens de Alice no País das Maravilhas .
Não era a Alice, Marilyn ou Diana.
Continuava o seu percurso com seus sapatinhos brancos de boneca.
Sacre Coeur, Montmartre, o carrossel, Moulin Rouge, as lojas de artigos eróticos, suas cabines e nela seus frequentadores que procuram inconscientemente sufocar o aperto, não percebem que assim sufoca-se a esperança. Objetos que satisfazem o que se quer esconder: a insatisfação e o medo da procura de achar o que se quer, o amor.
O amor…
Deixemos as lojas, os acessórios pertencentes e as pessoas que lá vão. Era isso o que a menina de pele branca e cabelos bem pretos buscava.
Continuemos a passear com a graciosa menina pelas ruas…
O vestido branco com pequenas maçãs vermelhas desenhadas passeava agora pelo parque. Velhos jogavam dominó, crianças atiravam areia umas nas outras, o pombo voava e ao longe era possível ouvir o som de um piano vindo de um conservatório de música…
Aquele era seu mundo, era onde queria estar, era o que conhecia.
As batidas sonoras paulatinamente acompanhavam o pulsar do seu coração.
Pensava em pernas que se entrelaçam, um par de saltos alto preto e um calçado masculino de cor preta também, bem lustrado.
O Louvre, os senhores de terno que saem a trabalho com suas bicicletas, os quadros espalhados pela cidade, o bar, pintores, moças com suas saias compridas e delicadas, perfeitamente costuradas.
O canto da boca repuxado deixando transparecer discretamente um sorriso.
Já esquece a discrição a essa altura, afinal carrega o sorriso nos olhos.
Onde e quando?
O violino, o vendedor de legumes, os queijos, os barcos, a paisagem, Notre Dame, o rapaz que vendia chaveiros prateados, a Torre Eiffel...
Tudo como se estivesse numa moldura.
Arc du Triunf, au revoir!
Estação D’Gaulle…
Os rapazes tocando violão nas escadas, o senhor de cabelos brancos que cantava ganhando a vida no metrô. Ganhando a vida e ganhando vida através de tantos transeuntes que por lá circulavam.
Ela era desatenta.
Tão atenta ao mesmo tempo, no que diz respeito às pequenas coisas, ao tratamento suave; enxergava coisas que só ela própria era capaz de ver, como se visse vida na extinção. Talvez fosse a alma leve e flutuante que a fazia ser assim.
Amelie talvez foi a criação ‘requintada’ de Macabéa, a nordestina sonhadora que não desgrudava de seu inseparável rádio de pilhas, a contempladora de vitrines inexistentes, curiosa ao extremo por sempre querer saber o significado de expressões e palavras que soavam estranhas ao seu ouvido…
A menina que queria aprender a datilografar depressa morreu de sonhos. ‘Morte morrida ou morte matada?’ – como diria Severino, criação e filho único de João Cabral de Melo Neto.
… A parisiense era a nordestina revestida com roupas delicadas e bem cuidadas, vítima da cultura exposta e imposta.
As principais diferenças talvez fossem a localização de continentes e o meio social em que viviam, logicamente. Algumas divergências irrelevantes não precisam ser pontuadas.
O interessante não tão interessante é que sofriam de um mal cego: a solidão. A falta de carinho e de amparo sentida desde pequeninas, a falta de segurança, e, assim sonhavam de olhos abertos, à tona e inconsequentemente.
O sonho encobria a dor.
A injeção de imaginação em alta dosagem permitia que ficassem anestisiadas por um tempo ilimitado.
… Felizmente Poulain não foi de encontro com nenhum carro de marca importada, nenhuma estrela de cinco pontas cruzou o seu caminho. Apenas a estrela que lhe ensinou a direção.
Foi feliz na velocidade apaixonante de uma motocicleta. Voou com as asas da determinação. O desejo do ‘querer concreto’ foi maior do que o medo, cortando assim o efeito até então prolongado da injeção de sonhos.
Manifesto para que muitas Macabéas se tornem Amelie’s Poulain.
A seu modo, sem fantasiar o inexistente a todo momento, sem precisar usar sapatos de boneca para adornar o cenário e o contexto, simplesmente com a vontade despertada no peito de se querer mais e de se gostar mais, à maneira bela, porém real de se enxergar o rumo…
CX.
20/11/07